29 de jul. de 2010

RECADO DO ZÉ


Rosario,
filmes extraordinários fáceis de encontrar nas locadoras. Você foi direta em Marlon Brando e acertou com precisão. Vou tentar com outro ator, Rock Hudson, que nunca teve o prestígio de Brando mas atuou com eficiência em três filmes que Rainer Werner Fassbinder considera entre os melhores do mundo: Tudo o que o Céu Permite, Palavras ao Vento e Almas Maculadas, melodramas dirigidos por Douglas Sirk, protagonizados por homens e mulheres embaraçados em graves problemas existenciais e amorosos. Foram realizados nos últimos anos da década de ’50 e tiveram a adesão imediata e apaixonada de todas as platéias femininas. Hoje, por méritos próprios são cults absolutos. Tudo o que o Céu Permite, em que Rock Hudson contracena com Jane Wyman, acaba de ser lançado em DVD Versátil e Palavras ao Vento com Lauren Bacall, Robert Stack e Dorothy Malone e Almas Maculadas novamente com Robert Stack e Dorothy Malone estão disponíveis em DVDs Classicline. Há outros filmes de Rock Hudson fáceis de achar: o clássico Assim Caminha a Humanidade, com Elizabeth Taylor e James Dean, O Segundo Rosto, intenso drama de suspense, dirigido por John Frankenheimer, que a crítica aponta como o trabalho mais intenso de Rock e, por quê não?, a comédia Confidências à Meia Noite, com Doris Day.
Em tempo: temos aí as fotos de Brando e Rock Hudson. Gostaria de ter também, aproveitando a oportunidade da citação dos filmes, uma foto de Doroty Malone. Ela está em Palavras ao Vento, pelo qual ganhou o Oscar de atriz coadjuvante, e em Almas Maculadas. Doroty Malone dando pinta no seu blog. Com Rock Hudson e Marlon Brando. É o máximo!
Um beijo, P pinheiro

27 de jul. de 2010

TRÊS MESTRES E UM BRANDO

O principal problema que nos atinge, a nós cinéfilos, é achar aquele filme denominado pelo mercado como cult ao alcance das mãos. Hoje darei três dicas que não os decepcionarão, nem em termos de qualidade, nem do acesso, já que podem ser encontrados nas locadoras perto de sua casa. Então lá vai...

Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams
O pecado de todos nós, do mestre Jonh Houston e
O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci

E você, Zé, o que manda?

SOBRE ANJOS E ALMAS



Minha alma passeia colorida, leve e feliz. Pela primeira vez meus pensamentos a libertaram para voar. Dar pulinhos, saltitar ao léu. E ela passeia pelo mundo, pelos entraves, rindo um pouco de tudo. Porque tudo não deixa de ter seu lado engraçado.
Minha alma é meu anjo e eu só entendi isso agora. E anjos merecem férias de nós. Que tanto trabalho damos a eles. Também querem se divertir, brincar, namorar... Não deixamos e assim eles dão essas fugidas de nós, carrascos, que passamos a maior parte do tempo impondo regras e prazos, prazos e regras.
Meu anjinho é poeta. Um poeta simples, mas dos bons. Ele vê beleza em tudo, amor em tudo e se pudesse passaria todos os seus dias contemplando a vida com olhos de rouxinol. É. É isso. Antes de tudo ele é um passarinho e quer voar e pular de galho em galho, com olhos inocentes de criança. Recém nascida, pois elas são anjos e têm alma leve que de tudo ri. Bichinhos são anjos também. Meu cachorrinho pula, brinca e ainda me dá beijinhos. Imerecidos beijos. Se ele pudesse brincaria o tempo todo, mas eu esqueci a palavra brincadeira.
Já sou um ser viciado pela vida, triste de tanto ver e viver. Perdi a criança dentro de mim, quando a encontro, consigo ser feliz de novo, mas isso é raro, cada vez mais raro porque em algum momento sumiu a inocência, tenho os olhos gastos pela vida. Mas graças a Deus, a todos os Deuses, ainda sei reconhecer almas poetas, passarinhas e crianças. E ainda tenho um anjo que às vezes foge de mim, mas quando nos reencontramos, está cheio de doçura e alegria.

26 de jul. de 2010

AQUI SE COME BEM


O chef Victor cozinha como hobby mas é um mestre. Poderemos contar com suas receitas simples e deliciosas, conforme ele nos prometeu, quinzenalmente. Mas quem sabe surgindo pedidos e dicas do que gostaríamos de preparar em nossas cozinhas, ele não acaba sendo tentado a compatilhar de suas receitas inventivas toda semana!

Arroz de tomates

Numa época fria e onde o risoto chegou para dominar o mercado gastronômico brasileiro, lembrei de um arroz facílimo de fazer e que é uma delicia.
A receita é lusa e portanto, sem maiores frescuras. Vamos lá, então:

Ponha umas 150 gramas de um bom bacon cortado em cubos de uns 2cm por 2cm (já que eles vão minguar) para fritar numa grande frigideira, com um pingo de azeite (português? Você decide).
Na mesma frigideira e sem limpá-la, ponha outro tanto de boa lingüiça em rodelas (pode ser uma calabresa).
Reserve isto num papel absorvente.
Ainda na mesma frigideira, refogue duas cebolas mal picadas, cinco dentes de alho melhor picados e uma colher de sopa de orégano.
Quando a cebola estiver ficando lourinha, acrescente um quilo de tomates cortados à lusa (limpos, sem casca nem sementes) e deixe refogar muito bem. Pode dar-lhes umas palmadinhas, para esparramarem-se e formarem um molho.
Transfira o todo para uma panela que dê, junte duas xícaras de chá de arroz, deixando que ele pegue uma corzinha. Então, acrescente cinco xícaras de chá de água e ponha algum sal.
Quando o arroz estiver quase cozido, ponha uma colher de chá de açúcar.
Dê uma corrigida, apimente um pouquinho e sirva com as rodelas de lingüiça e o bacon por sobre o prato.
Deve dar para uns quatro gulosos ou para seis pessoas. Espero que gostem.

Victor Rodrigues

E AÍ?

De repente, num dia qualquer, nos damos conta do tempo perdido amando pessoas erradas, com falsos amigos e experiências que só nos deixaram um buraco na alma, nada nos dando em troca. Claro, sempre existirá a máxima de Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” A alma pode ser grande, Mestre, mas ela merece o melhor. Fatalmente, também nesse mesmo dia, cai a ficha do pouco tempo que nos resta passando por aqui. Quem veio a trabalho que me desculpe, mas a vida foi feita para passear por ela com olhos maravilhados a cada descoberta. De quem é a culpa pelo tempo perdido? Pelas escolhas erradas? De nós mesmos, é claro. Mas geralmente isso acontece devido a nossa baixa auto-estima, via de regra, causada por uma educação equivocada, por pais que nos ensinaram que nós não valíamos a pena, que tudo que fazíamos era errado. Tudo bem, o mal foi feito, vamos reclamar com o Papa, ou já espertos pela vida, vamos aproveitá-la cientes de nossa finitude?
Nem carece responder, temos pouco tempo aqui, estão lembrados?! Que tal olhar para os lados e “descobrir” nossos semelhantes?! Pessoas iguais a nós que sofrem do mesmo mal ou parecido. “Descobrir” pressupõe amá-las: não esse amor carola que nos foi incutido pela formação jesuíta. Amor fundamentado na nossa eterna culpa judaico-cristã. Mas sim um amor que pressupõe nossas dificuldades, nossas limitações, mas também o “divino” que existe em todas as criaturas e que faculta-lhes o perdão verdadeiro, o amor verdadeiro e alguma sabedoria. Sabedoria essa, humana, com seus erros e desvios, conquanto não sejam fatais.
No dia em que olharmos de igual para igual nosso semelhante acordaremos, de fato, para a vida. Em toda a sua fealdade e beleza transcendentais. Veremos o que nos sobrou desse planeta e tentaremos salvá-lo. Se agirmos rápido, rápido, ainda dará tempo. Mas isso é urgente e requer uma mudança radical de postura. Estaremos preparados para esse desafio? Estaremos nós aptos para viver em plenitude? Que esse dia não tarde, são meus votos, pois só aí estaremos vivendo verdadeiramente.
Psiu, olha aí, ainda assim sobraria um montão de coisas para fazermos. Isso seria só o começo... Vou falar baixinho que é pra não assustar: miséria, fome, guerras, governos despóticos... eu deixei o pior para o final, eu sei. Veremos o que ainda podemos fazer...

19 de jul. de 2010

A VOZ

A voz sabia absolutamente tudo, até que eu cometera um assassinato. “Você não me conhece, mas eu sei absolutamente tudo sobre você.” Era uma voz anasalada e estava claramente no viva voz, talvez pra que outras pessoas pudessem participar do que ela dizia. O viva voz produzia um eco.
- Você matou uma pessoa, pois não prestou socorro à vítima. – Dito isto, desligou.
Chequei o telefone, era um número privado, impossível descobrir.
Eu acabara de falar com minha irmã ao telefone por isso ter atendido tão displicentemente. De novo o telefone tocou... é terrível, eu sabia que deveria ser a mesma pessoa. Mas a curiosidade fez com que eu, como um imã, como se a minha mão não tivesse dono, o atendesse. A mesma voz cavernosa que parecia sair de algum lugar longínquo:
- E o Cláudio, como está ele?
Ouvi uma pausa seguida de um suspiro
Chequei outra vez o número, agora ligavam de um celular.
Eu estava completamente confusa. Da primeira vez, a voz falava que eu cometera um crime, agora falava de meu marido. Era uma voz de mulher. Seriam amantes?
O problema era que a voz estava absolutamente certa em ambos os casos. Certa vez atropelei uma pessoa na Rio - Petrópolis e não tive coragem de descer para prestar socorro. Só não sabia que a pessoa havia morrido. E o meu marido via de regra me traía com qualquer secretária mais bonitinha que via pela frente.
Mudei de número, a mesma coisa. Coloquei bina e descobri que a voz trocava de número sempre, ou ligava de diferentes lugares. Ela tudo sabia sobre mim.
Tentei usar de todos os recursos: não atendia, tirava o telefone do gancho, assim que recolocava, ele tocava. Ligava de celular, de fixo, pro meu trabalho, pra minha casa... Eu estava perdendo a sanidade. Emagrecia a olhos vistos. Descobri que ninguém na minha família estava levando a sério o que estava se passando. Isso só fazia aumentar meu medo de estar enlouquecendo, mesmo. Meu pai acabara de falecer, comecei a achar que aquela voz era encomendada por ele - a única pessoa que de fato me entendia – para depois entrar em contato comigo.
As pessoas me tratavam como louca, elas pensavam que eu podia ter perdido um pouco da razão, mas não sabiam que eu guardava muita sanidade ainda. Comecei a achar que aquilo tudo eram fenômenos mediúnicos. Eu sabia que para me comunicar com outra dimensão, eu deveria me abster do contato com as pessoas desta esfera.
Comecei a ouvir pessoas no andar de cima, onde não mora ninguém, só poderiam ser as entidades.
As vozes que agora eu ouvia me falavam em vários idiomas, eu tinha que escrever, traduzindo todas. Alguém confiava em mim. Os móveis rangiam à minha passagem, quase tudo estalava. Não tinha problema, eu estava preparada para o que fosse. Mesmo quando vieram me buscar para a internação não ofereci resistência. A minha missão superava tudo isso.

CANTO DOS AMIGOS

A MENINA DE ALPARGATAS AZUIS


Hoje acordei nostálgico e lembrei-me da minha irmã.
Quando eu era criança, existia um calçado de lona colorida e sola de cordas, que chamávamos de alpargatas, que era o nome do fabricante.
Minha irmã Maria Thereza, a Tetê, oito anos mais velha do que eu, usava uma de cor azul.
Thereza era habilidosa com trabalhos manuais e sendo a irmã mais velha, me ajudava, quando tinha que fazer aqueles artesanatos chatos, tipo “fazer um quadro com uma capa de revista em quadrinhos”.
Recordo-me de um, que Thereza decalcou com carbono em cima do papel cartão para que eu depois pintasse com tinta guache colorida.
Mostrando minha total inabilidade com a execução da arte, lógico que consegui sujar as alpargatas com a tinta, me deixando com medo da inevitável bronca que levaria.
Após o primeiro momento de explosão, ela começou a rir e disse para o neófito artista que aquela tinta saia com água.
Mas as suas alpargatas azuis nunca mais foram as mesmas, amolecidas com o banho inesperado e com o rastro da tinta.
Gostaria de ter guardado aquele quadrinho, mas até hoje ele está na minha memória, e desta forma ele ficará para sempre.
Thereza se formou, trabalhou muitos anos numa agencia de publicidade e casou-se tarde, não tendo filhos, Quando a filha de minha outra irmã nasceu, tornou-se madrinha e mãe substituta, podendo realizar por tabela o seu maior desejo.
Por conta da carga genética da família, tornou-se hipertensa e os rins ficaram comprometidos, e acabou aguardando vez na fila do transplante.
Aproveitando o maravilhoso dia de sol de um sábado de outono, há cinco anos,
Maria Thereza partiu e agora corre feliz pelos campos do Senhor reencontrando com alegria nossos pais.
Para mim Tetê é ainda aquela adolescente com sua longa trança, vestido quadriculado e as alpargatas azuis sem mancha de tinta, novinha, brincando alegre com seu irmão mais moço.


João Siqueira

15 de jul. de 2010

CANTO DOS AMIGOS


FOLHETIM

Tinha sido mais uma noite infernal no conjugado que Nestor morava na Rua Taylor, perto dos Arcos da Lapa.
O calor, a dor de cabeça e o barulho do pardieiro vizinho, onde vivia uma bicha velha que fazia michê, não o deixara dormir.
Talvez fosse a fome, talvez a ansiedade do dia seguinte, não sabia bem, mas o fato era que olhava para o despertador barulhento ao lado de sua cama e as horas, torturantemente, não se escoavam, como num ralo represado por planos, perguntas e decisões.
Deixou de lutar com a insônia e refez, mais uma vez, o meticuloso plano que há meses arquitetava. Amanhã seria o dia.
Amanhã receberia sua aposentadoria, aquela merreca, que só dava para pagar a porra do aluguel, comprar uns poucos remédios, alguma comida, e de vez em quando um vinho verde, Gatão, que lembrava os bons tempos que passara com sua amada Maria das Mercês.
Há muito Maria das Mercês havia partido, ou pelo menos era isto que Nestor sentia, mas no íntimo sabia que, com a partida dela, houve também o alívio, pois a traição de Maria matava-o dia a dia.
Sozinho, apartado da família, continuava morando na Lapa, que ainda era o referencial afetivo de toda uma vida.
Atualmente desconhecia o paradeiro da sua outrora querida Mercês.
Lembrava de Maria adolescente, caminhando numa Cinelândia mágica, onde o velho Odeon foi testemunha dos beijos roubados no cinema.
Lembrava do Bar Amarelinho, onde comemoraram o primeiro mês de namoro, da Igreja Santa Luzia, onde casaram, e mais recentemente lembrava com uma dor no peito da Confeitaria Colombo, onde finalmente ele e Maria, depois de uma longa briga, despediram-se.
Não, hoje só queria lembrar de coisas boas.
Amanhecia, e o dia indicava sol ameno e tranqüilo.
As árvores da Avenida Beira Mar balançavam suavemente com a brisa que vinha da Baía da Guanabara, mas logo a direção dos ventos mudaria.
Nestor sorriu tristemente, imaginando o transcurso daquela longa manhã. Milhares de vezes havia sonhado com todos os detalhes: o que faria antes, durante e depois, quem saberia? Só sabia que aquele era o dia.
Afinal, se hoje estivesse com Maria, comemorariam mais um aniversário de casamento.
Levantou-se, tomou um banho frio, pois estava sem gás, fez a barba, observando os sulcos de tensão que seu rosto magro exibia, colocou o terno usual, meio surrado, mas ainda usável, pegou uma sacola de compras, ajeitou o cabelo, soltou o canário belga, último amigo que tinha, riu da sua própria cara, desceu as escadas e abriu a portaria com cuidado redobrado, para passar invisível por todos, pois assim era sua vida recente.
O banco, o sonho e o destino espreitavam lá fora pelo começo da manhã, e Maria das Mercês, quando soubesse, não ficaria decepcionada.
De onde ela estivesse veria do que ele era capaz.
Por muito tempo, recolhido na sua mansidão, tinha ouvido Mercês recriminar o seu jeito calmo, conformado e humilde com que levava a vida.
Na última briga ela falara claramente, tentara até explicar com isto, a sua própria traição.
Era só uma questão de tempo, horas, poucos minutos, e a Lapa e todo o Rio saberiam de um novo Nestor. Pena que não podia divulgar para mais ninguém, mas a alegria e o prazer íntimo contaminavam o seu rosto esquálido com um sorriso.
Sabia que era o dia, pois tinha sonhado com a data.
Estava escrito há mil anos atrás.
Libertou-se do prédio, das angústias e da insegurança.
As pessoas, os carros, as lojas, as manchetes do jornal barato passavam como em câmera lenta, num tempo defasado da sua própria velocidade.
Viu uma foto premonitória na “Luta Democrática” e sentiu um arrepio. Viu também a agência do seu banco na Cinelândia, perto da ABI, que estava abrindo as portas.
Cumprimentou, sem ver, o segurança do banco e, pacientemente, esperou sua vez de ser atendido no guichê quatro, conforme o sonho predizia.
Ao escutar o seu número de senha estremeceu, suspirou e partiu decidido, mas calmo, para o nascer de um novo Nestor.
No bolso uma navalha alemã, meio enferrujada e fria, aguardava.
Já passava de meio dia quando o corpo de Nestor foi recolhido ao Instituto Médico Legal. A maçaroca de notas que o caixa do guichê quatro havia colocado na sacola de compras incrivelmente ainda não havia sumido. Exatos 245 cruzeiros em notas de 5, 10, 20, ainda manchadas pelo sangue A Positivo e pelos dois tiros de calibre 32. Esvaziado o paletó foram ainda arrecadados:
Uma foto em preto e branco de corpo inteiro de Maria das Mercês, a certidão de casamento, um lenço Paramount, um pente Flamengo, um chaveiro com a bandeira do Brasil, um cortador de charutos, uma imagem de São Judas Tadeu, e uma caneta Parker de ouro.
Um bilhete enigmático, para os focas de plantão nas redações e também para a Polícia, foi encontrado:
-“Querida, não aguentei mais. Eu te perdôo!”.
Os números 3030 e 13 apareciam escritos no canto do bilhete.

João Siqueira

12 de jul. de 2010

O MAR E EU

Me comunico com o além... Entes queridos que já se foram me mandam variadas mensagens em códigos. Perdi minha filha com três aninhos. Nunca pude me recuperar disso. Meus pais, portanto, que eram tudo pra mim, se foram quase juntos há coisa de dois anos. Eram toda a minha família. Fiquei só no mundo, mas sei que não estou sozinha. De onde eles estão se comunicam comigo todo o tempo. Não faço parte de nenhum centro, nem mesmo Kardecista, nem igreja freqüento... A coisa é muito simples: faço perguntas mentalmente e, por exemplo, saio à rua e leio os sinais. Vou atravessar a rua, se o sinal estiver verde a resposta é positiva. Cato papeizinhos pelo caminho, tenho que decifrar o que dizem, mas eles são sempre endereçados a mim. Sei que vivo num mundo a parte, em outro hemisfério. Mas quem se importa? Sou feliz assim... Aqui neste plano não fiz amizades e só suporto minha solidão nesta minha comunicação astral. Só seria mais feliz se Deus me levasse para junto deles. Quero muito isso. Fiz uma pergunta à minha filhinha: se ela gostaria que eu fosse me encontrar com ela. No mesmo instante, a luz do meu abat-jour acendeu. Claro que a resposta era positiva. Mas como fazer? Sei que cometer suicídio vai contra todas as regras da natureza. Deus não perdoaria jamais. Resolvi, então, deixar acontecer: comecei a atravessar as ruas sem olhar para os lados, distraída, ou de olhos fechados, mesmo. Vários carros se desviando de mim, batiam... Eu só ouvia os palavrões. Berravam me chamando de maluca. Doidos eram eles que não podiam compreender essa outra esfera em que eu vivia, coitados. Desisti de provocar acidentes. Não seria dessa forma que conseguiria. Peguei um papelzinho com um nome escrito: Marluce. Aquilo era de uma obviedade absurda – era só separar as sílabas: Mar, de mar mesmo, e luce de luz. Nunca tinha recebido um sinal tão claro antes. Certamente era minha mãe se comunicando, e pedindo para eu ir à praia e me entregar ao mar e à luz. Foi o que fiz: escolhi meu melhor vestido e fui para a praia. A luz era tanta que quase me cegou. Era um belo dia de primavera. Pedi mentalmente que Deus compreendesse aquele meu gesto. Não era um suicídio. Eu simplesmente queria me juntar aos meus. Entrei devagar no mar. Nunca soube nadar. Fui andando até que a água me cobrisse por inteira. Agora finalmente eu seria para sempre feliz. As imagens de minha família iam se alternando em minha cabeça. Já, já eu iria me encontrar com eles. Via lindas luzes, eu e o mar éramos um só. Ainda com as luzes piscando, entrei num túnel, do outro lado, uma luz intensa: reencontrei todos eles. Estava salva. Agora seria finalmente feliz.

CHEGOU A HORA... "SEM MAQUIAGEM"



Nossa peça, minha e da Tessy Callado, Sem Maquiagem será lida no Festival de Inverno SESC/Casa da Gávea que se realizará em três datas. Sendo a primeira agora, nesta quarta-feira 14 de julho às 18h, no SESC Quitandinha, gente.

Sesc Quitandinha
Av. Joaquim Rolla, n º 2
Petrópolis
tel. 24 2245 2020

As outras leituras serão respectivamente:

- Friburgo dia 21/07/2010 - às 18h - 4ª feira

- Teresópolis - dia 25/07/2010 às 18h - domingo

SINOPSE
Amigas de infância e de início de adolescência, Eva e Maria conseguem manter a amizade através dos anos. Quando se reencontram, além de fazerem um balanço de tudo que viveram, ambas se defrontam com problemas graves da atualidade. Eva está com o pai à morte e Maria acaba de se separar.
Num curto espaço de tempo, as duas são obrigadas confrontarem duras verdades e revelações insuspeitadas. Tudo isso virá à tona de forma inesperada para ambas e também para quem as assiste.
Uma vez feita esta reavaliação, elas poderão se preparar para desfrutarem da maturidade ou como querem alguns: a melhor idade.
A peça de autoria de Rosario Nascimento e Silva e Tessy Callado, sob direção Jaqueline de Laurence. Será lida pelas atrizes Tessy Callado e Dora Pellegrino.

FICHA TÉCNICA
Autoras - Tessy Callado e Rosário Nascimento e Silva
Direção - Jaqueline Laurence
Assistentes - Tessy Callado e Rosário Nascimento e Silva
Elenco - Tessy Callado e Dora Pellegrino
Músicas - João Callado
Luz - Aurélio de Simoni
Ambientação cenográfica e figurinos - Colmar Diniz
Preparador Corporal - João Saldanha

ESPERO TODOS VOCÊS LÁ PARA DIVIDIRMOS, SEM DÚVIDA, MOMENTOS TOCANTES. VAMOS NOS EMOCIONAR JUNTOS...

8 de jul. de 2010

SONHOS

                                             Marc Chagall

Os sonhos me redimem de todo esforço feito durante o dia. Existe um momento mágico: nem estamos dormindo, nem acordados estamos. É nessa zona morta, que nos vem as melhores idéias e as lembranças mais queridas nos visitam sem pedir licença.

Me ajudam a ser criança novamente: uma menina por vezes alegre, por vezes aterrorizada de pânico e solidão. Solidão em criança é maldade, sacanagem.
Volto à casa de meu pai. Visito cômodo por cômodo. Vejo-o assim como a minha mãe. Tento falar com eles mas não me ouvem. Estão em outra dimensão...
Peço sempre a Deus que me dê sonhos leves, alegres. Para que eu possa acordar realmente refeita, pronta para dormir de novo e sonhar mais. São nos sonhos que me descubro. Solto os macaquinhos do cérebro e eles brincam e brigam comigo.
Nos sonhos sou perseguida por demônios incansáveis que parecem ter escolhido só a mim. Nos sonhos choro, rio... Quero me libertar. Sonhos de finitude. Em que sinto alívio. Por estar tudo acabado.
A morte não me mete medo, a vida sim. Sei que nunca mais serei criança de novo. Aquela menina que sonhava acordada com um mundo melhor... A menina morreu, foi-se, me deixando aqui, vendo a vida como de fato ela é. Sem ilusões, só temores reais. Sem um sonho de criança. Acabou, enfim. Me descolei de mim... Flutuo.

MEDO E PUNHAL

Nada faz muito sentido: nada. Eu não faço sentido, você também não. Embora eu mergulhe em você feito cachoeira, tentando me purificar. Em vão. Mas nosso amor não é vão. Eu sim. Tornei-me vampira de alma. Procuro os jovens para sugar-lhes a vitalidade. Nesses momentos me torno forte. Graças ao sangue ingerido. De repente, minha fragilidade emerge solta. E me vem o medo das pessoas duras, que me deixaram ao desabrigo. Só, fome e frio. Que medo!
Eu temo um sopro de vento mais forte. Medo da agressividade que me levaria para longe do teu colo quente e do teu carinho. Exasperada de solidão. Dói, dói, dói. Medo e punhal.
O coração poderia deixar de bater e eu estarei a salvo de tanto sofrimento. Vivemos numa alcatéia de homens “asseados”, competitivos e nela, alguns lobos em pele de carneiro – mas lobos, é certo.
Soltei um som gutural que parecia se espremer até transformar-se num grito aterrador. A antevisão do Apocalipse com tudo e o temor que isso pode acarretar, devem assemelhar-se ao medo sentido por mim naquele instante. Congelei e nenhum som a mais consegui emitir.
Deixe-me ficar por aqui como quem não quer nada. Não é necessário me acompanhar até a porta, eu sei o caminho de volta. Me transmutarei no ser que eu sonho ser, que você crê que sou. Só para te agradar.

6 de jul. de 2010

É AGORA, GENTE! QUARTA-FEIRA...

A PEÇA SEM MAQUIAGEM, DE AUTORIA MINHA JUNTAMENTE COM A TESSY CALLADO SERÁ LIDA NO FESTIVAL DE INVERNO DO SESC 2010.
NUMA PARCERIA COM A CASA DA GÁVEA, A PEÇA FARÁ TODO CIRCUITO OFF RIO.
AS LEITURAS SERÃO FEITAS PELAS ATRIZES TESSY CALLADO E DORA PELLEGRINO SOB DIREÇÃO DE JACQUELINE LAURENCE. EM TRÊS LOCAIS E MOMENTOS DIFERENTES:

- 14/07 em Petrópolis, às 18hs;

- 21/07 em Nova Friburgo, às 18hs;

- 25/07 em Teresópolis, às 18hs.

VENHAM NOS PRESTIGIAR E SE EMOCIONAR BASTANTE...
PARTICIPEM TAMBÉM DO DEBATE QUE SERÁ RIQUÍSSIMO

RECADO DO ZÉ


Rosario, se foi provocação, valeu. Valeu pelo belo texto publicado aqui no blog sobre o conto de Hans Christian Andersen e até para se ter uma idéia do filme ou da peça de teatro que perdemos quando você decidiu arquivar o projeto de fazer os seus Sapatinhos Vermelhos. Nele, no texto, duas palavras me pegaram: transgressão e limite. Numa associação imediata me lembrei de uma seqüência do filme Dias Selvagens (Days of Being Wild) de Wong Kar-Wai, rodado em 1990 e recentemente lançado em DVD no Brasil. A associação não foi direta com a seqüência, mas com o texto que é lido nela. Nos filmes de Kar-Wai, o sentimento amoroso ocupa sempre o centro das histórias. Não na forma clássica dos filmes sobre o tema (o desenvolvimento das intrigas, atração, sedução e consumação), mas na atenção aos efeitos dos êxtases e tormentos amorosos em seus personagens. São pinturas sobre as variações infinitas e as gradações de intensidade dos estágios do amor em calidoscópio de fragmentos atemporais. Em Dias Selvagens, ambientada nos anos 60, na periferia de uma cidade cheia de sombras e chuvosa, Leslie Cheung (ator fetiche de Kar-Wai que se matou aos 47 anos pulando do 28º andar do Hotel Mandarin Oriental em Hong Kong) é um jovem e preguiçoso sedutor envolvido com três mulheres: a bilheteira do bar de um estádio de futebol (Maggie Cheung), uma cantora (Carina Lau) e uma tia (Rebecca Pan) que o criou. Ele resolve deixá-las e parte para as Filipinas em busca da mãe que o abandonou quando criança. A seqüência que emergiu em minha memória, despertada pelas palavras transgressão e limite no texto que você escreveu, está na primeira parte do filme: Leslie Cheung está deitado em uma cama num quarto desarrumado, uma das amantes (Carina Lau) acaba de sair. A trilha sonora, só o tic-tac de um relógio. Ele está entediado e fuma. Ouve-se uma voz em off (a do próprio Leslie) que começa a narrar uma história. Leslie levanta-se, vai até o aparelho de som, coloca um disco, o bolero latino-americano Muñequita Linda, e, descontraído começa a dançar. O texto que se ouve em off: Dizem que existe um pássaro que não tem pernas. Ele nunca pára de voar. Quando se cansa, dorme no vento. Este pássaro só pousa uma vez na vida. Quando ele morre. Um beijo Rosario.

P pinheiro

5 de jul. de 2010

SE ORIENTE, RAPAZ

Começou hoje, após as 10 horas, a venda de ingressos para a sempre concorrida Festa Literária Internacional de Paraty. A FLIP ocorrerá este ano, devido à Copa, entre 04 e 08 de agosto. E para evitar os transtornos com a hospedagem, que acontecem todos os anos devido à grande procura pela FLIP, se hospede em um dos maravilhosos CHALÉS CACHOEIRA DA LUZ. Aqui você fica pertinho para acompanhar todos os eventos da Festa ao mesmo tempo que tem a oportunidade rara de ser acolhido num lugar de natureza luxuriante, tranquilidade, conforto e total privacidade, com cachoeira, pássaros raros em meio à Mata Atlântica.

Clique no link abaixo e saiba como reservar seu lugar ao sol!
http://cachoeiradaluz.blogspot.com/

E para saber um pouco mais da FLIP:
http://www.paraty.com.br/flip/noticias_flip.asp?id=1760

1 de jul. de 2010

SERÁ?

Comigo é sempre ou tudo ou nada. Como dizem por aí: ou calça de veludo ou bunda de fora. Mas sempre tudo em excesso. Eu me comporto como se tudo estivesse dentro da maior normalidade. Quem me vê de fora não diz o vulcão que por dentro abrigo. Lavas. Lavas? Lavas não, é pouco. Por dentro chego a ganir, a ganir de dor de tamanha solidão, ninguém é capaz de avaliar...
Comigo nada nunca será normal. Ou de mais, ou de menos. Nunca ninguém saberá... Choro. Choro muito em horas perdidas, momentos impróprios.
Teve uma época que eu pirei. Pirei brabo... Cismei porque cismei que uma bala houvera perfurado meu cérebro e um chip instalara-se em minha cabeça e comandava meus atos e passos. Do desespero inicial uma sensação de permanente euforia instalou-se em minha mente. Soube mais tarde que essa fantasia é muito comum em esquizofrênicos. Passou. Mas foi bom enquanto durou. Pena que acabou.