21 de jun. de 2010

ORFANDADE

Prostitutas, cafetões, viciados, alcoólatras, marginais de toda a espécie são os meus companheiros da noite. Quando eu saio à caça é o horário preferido deles. Nos conhecemos em todo o esbarrão nos becos. Não somos muitos, por isso eu sei.
Para chegar ao meu objetivo, transformo-me numa linda e jovem socialite e procuro lugares caros freqüentados por pessoas requintadas. Ali, eu brilho. Não estou à venda, porém quando o cara é muito, muito rico eu estudo as possibilidades...
É impressionante como tem babaca nesses lugares “ditos” chiques. Um em especial, “parou” na minha e parece me seguir. Eu entro num lugar, cinco minutos depois, ele chega. E não pára de me olhar, esteja eu acompanhada ou não, ele não desgruda. Já pensei em dar um “chega pra lá” nele, mas depois acho que acaba sendo pior. Homens gostam de sofrer...
Um dia ele se animou e vem sentar do meu lado:
_ O que posso te oferecer para beber? – ele era o cara mais almofadinha e via-se logo, filho de família rica que não faz porra nenhuma. Achei pela primeira vez que eu podia fazer isso render com juros e correção monetária a meu favor.
Quem sabe eu não havia descoberto a chance do cofre?!
Languidamente respondi:
_ Um Dry Martini. – Eu estava por dentro que o Dry Martini era a bebida dos chiques e poderosos. Deus não me deu dinheiro, mas me fez “safa” e inteligente além de bonita pra ninguém botar defeito. Preciso criar um nome e sobrenome de família “quatrocentona” pra mim.
_ Como você se chama?
Rapidamente, respondi:
_ Letícia Soares Ribeiro. Para os íntimos, Leti. Mas você não é meu íntimo. Pelo menos por enquanto...
Eu estava adorando aquele jogo de “bate e assopra”, pois sou boa em fazer isso com os homens: dou e tiro. Homem adora ser sacaneado, pelo menos os que eu conheci. Outra coisa urgente para mim era arrumar um endereço chique para empurrar goela abaixo do “mauricinho”. Porque a essa altura eu já havia me decidido em conquistá-lo convencida que estava que faria fortuna.
Lembrei de uma bicha amiga que era “podre” de rica e morava na Av. Atlântica. “Ela”me adorava, eu volta e meia ia lá levar uns “papéis” para ela, “fissuradona” em cocaína. A bicha não dormia sempre “ligadona”. Ela iria adorar que eu passasse uma época com ela, já havia me convidado milhões de vezes.
Pegando meu celular último tipo, “a gente pode não ter nada, mas o pouco que se tem, tem que ser melhor”, levantei-me da nossa mesa e andei em direção ao banheiro, sem nem ao menos me dirigir ao meu recente fã. Eu precisava me assegurar com a “traveca”de poder ir dormir lá essa noite e quanto mais precisasse.
Havia deixado minha bolsa na mesa, o que asseguraria a minha volta. A “traveca”, Lola, foi só amor. A casa, portanto era minha. Eu tinha uns “papelotes” para dar a ela, aproveitei, cheirei um, me certificando que não estava dando bandeira com o nariz e lânguida ainda, voltei à mesa.
_ E o seu?
_ O meu, o que?
_ Nome. Você perguntou pelo meu... Como é que você se chama?
_ Rodolfo. Rodolfo Duque Estrada.
_ Nome de rua, é? Eu sei. É perto da PUC. Estudei lá. – Eu adorava mentir. Era meu esporte favorito.A noite transcorreu divinamente bem...
Em menos de um mês, estávamos casados, morando numa mansão da Gávea. Todo e qualquer desejo meu, Rodolfo corria para atender. Ah! Casei de véu e grinalda, disse que minha família não podia vir, pois estava num cruzeiro pelas Ilhas Gregas... Ha, ha, há...
Mas Rodolfo com seu jeitinho manso e doce foi me conquistando pouco a pouco. Os meus amigos “barra pesada” foram ficando pra trás, assim como dei adeus aos becos e vielas. A impressão que eu tinha era que aquela vida não me pertencia.
Eu me sentia tendo nascido quando casei com Rodolfo. Minha família em Goiás nunca havia se metido. Rodolfo tinha perdido os pais num acidente de avião quando ele ainda era bem pequeno. Fora educado por uma tia pela qual não tinha o menos apreço. Pouco a pouco fui falando toda a verdade sobre mim. Rodolfo não deu a mínima, pareceu realmente não se importar.
Eu, que a vida me fez cínica, conhecia pela primeira vez amor, aceitação e respeito. Nunca imaginei ser amada assim: acima do bem e do mal. Tudo isso me adocicou também. Eu perdia minhas defesas. Nunca imaginei ser possível amar e ser amada. Foi nesse clima de grande comunhão que engravidei. A criança viria coroar toda a nossa felicidade.
Mas não comigo. A vida nunca me viu com bons olhos e sempre me maltratou. Perdi a criança aos 5 meses e “pirei legal”. Fugi de casa e do Rodolfo. Parecia-me que eu não havia nascido para ser feliz. Não eu.
Voltei aos becos e as velhas companhias. Rodolfo não conhecia essa vida, não seria fácil para ele me encontrar. Comecei a cheirar como doida e a “biritar” também. Dormia ao relento sem eira nem beira. Eu havia ligado o “foda-se” e queria que o mundo explodisse. Engraçado, em menos de um ano passei por mundos tão extremos... só podia acontecer comigo!
Estava que era pele e osso. Mendigava, mas era pra comprar pó. Me prostituía também pela mesma razão. Uma noite sem que eu me apercebesse um carro se aproximou do lugar que eu fazia ponto e veio me abordar. Pensei que era alguém querendo comprar pó ou afim de uma transa. Sem que eu pudesse respirar, dói “armários” me pegaram por trás e me jogaram dentro do carro. Achei a princípio que fossem dois “canas”. Quando entrei no carro é que percebi a história toda: lá dentro Rodolfo me esperava cobrindo-me de beijos. Eu, cheirada e maltrapilha, não consegui esboçar reação...
E sem que eu desse pela coisa, fui internada, aqui no interior de Minas para desintoxicação. “Detoxi” como eles dizem. É daqui que escrevo esse relato, sem saber bem o que vai acontecer comigo. Estou escrevendo rápido que é pra dar a uma amiga jornalista que jurou publicar e já está indo embora. Não sei o que vai ser de mim, sinto muitas saudades do Rodolfo, mas não tenho idéia se ele vai me querer de volta, uma vez que eu esteja “limpa” como dizem aqui. Torçam por mim, por favor, gente. Torçam que quem sabe Deus ainda me dê uma chance.

3 comentários:

  1. um conto e tanto, rosario...cada vez mais fundo, cada vez mais denso...e sobretudo, belo, muito belo.

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  2. realmente beliissimo!joana

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  3. menina, cada vez mais cada vez, hein???

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