8 de jun. de 2010

FÁBULA MODERNA

Eu nasci num tempo muito, muito remoto. Uma terra de sonhos e fantasia, entre fadas e princesas. Meu pai, o rei, que tanto havia me esperado, chamou para perto de meu berço todas as fadas de seu reino, para me abençoarem e desejar boa sorte.
Eram 5 fadas e vieram para me desejar que eu crescesse com todos os predicados e pudesse ter o que havia de melhor no reino. As 5 se dividiram e vieram uma a uma perto de meu berço com uma varinha mágica.
A 5ª desejou que eu viesse a ter uma beleza incomum. Foi o que veio a acontecer. Assim sucessivamente: inteligência, talento, riqueza eterna e que viesse a ser muito amada por todos. Ninguém contava porém que a última das fadas, invejosa e cruel e que por isso não havia sido convidada, fosse aparecer para usar de seus poderes também.
_ Sim, disse ela, ela terá todas essas qualidades, sim. Mas de nada adiantará, pois de tudo isso ela jamais terá consciência.
Essa lenda mítica retrata de forma fantasticamente simbólica, o que veio a acontecer comigo. Encaixo-me de forma total nessa história, não tivesse sido ela contada por minha analista.
Eu cresci feito princesinha, pelo menos papai me amava e supria minhas carências como tal. Minha mãe, a bruxa má, invejosa de tanto amor e de meu enorme sucesso, conseguiu durante um longo tempo, tal qual a princesinha, que eu não tivesse consciência do meu potencial.
Sofri com tudo isso anos a fio, ciclotímica com meus altos e baixos. Até que uma noite tive um sonho, tal qual a lenda, envolto em brumas. Na verdade fora, vários sonhos entrecortados, mas que no fundo se completavam.
Neles eu me via, nas situações mais inusitadas. Sonhos são altamente reveladores do nosso inconsciente como todo mundo sabe. No primeiro a moça da soleira da porta me sorri. Retribuo ao sorriso. Parece-me vagamente familiar. Vejo-me nela quarenta anos atrás. Que pensará do que fiz dela todos esses anos? Seu olhar é compassivo. Poderá ela compreender realmente os caminhos tortuosos que fui obrigada a trilhar?
Essa minha solidão desesperada? Minha vida começa a passar em slow motion. No outro sou passarinho que não se deixa capturar. Quando pensavam ter-me as duas mãos em concha, eu fazia um movimento qualquer e conseguia me esquivar e voar para bem longe. No último, mais uma vez me vi, foi de relance, mas parecia-me olhar num espelho. Nesse sonho eu via uma mulher que se parecia comigo, mas não era eu. Como se tivesse um duplo meu. Eu queria tocá-la mas ela tal qual o passarinho se esquivava e desaparecia em meio às brumas presente em todos os sonhos.
Voltando a mim agora: desci baixo muito baixo, desci aos quintos dos infernos por isso posso escrever sobre isso. Foi uma época “brabeira”, mas essa grande escola que é a vida foi definitiva e trouxe-me de volta a uma pseudo normalidade. Normal eu não serei jamais. E apesar de tudo eu tenho estrela, as fadas boas me salvaram e posso ter uma certa serenidade para escrever tudo que passei.
A solidão das seis da tarde ainda me dói e as marcas do tempo no meu rosto impressas estão. Mas conquistei isso e agora sou estrela do meu filme, basta de viver a vida dos outros.
Acho que meu pai, o rei, estaria orgulhoso do que conquistei agora. Que bom! Consegui chegar a essa constatação simplista e simplória: eu gosto de mim agora.

Um comentário:

  1. Que texto! É um show,além de uma aula de vida.Parabens!Ana Maria

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