6 de set. de 2010

CANTO DOS AMIGOS

Soninha Toda Pura

Hoje, depois de mais de treze anos sumida, reencontrei Soninha.
Caminhava na Praia do Recreio com o seu filho, que aparentava onze anos.
Continuava bonita como eu me lembrava.
Ao seu lado o marido, um belo garotão tatuado, com uma prancha de surf e uma bicicleta, queimado por um Sol como ainda não se viu nestes meses no Rio.
Foi um belo e emocionante reencontro e ela me disse o que faz atualmente: É secretária executiva no Projac da Globo.
Conheci Soninha na década de 90, quando parávamos no mesmo estacionamento na cidade, ali na Av. Visconde de Inhaúma.
Eu tinha um Chevette e Soninha um Escort Sport do ano, super equipado, com a intrigante placa EDU 1945. Ela era atendente de caixa no antigo Bamerindus, que virou depois o HSBC e certamente pelo salário, escolaridade, e perfil familiar nunca poderia bancar tal extravagância. Ficamos realmente amigos, de dar carona um para o outro, quando nossos carros iam para revisão ou algum imprevisto surgia, tal como Soninha ficar sem dinheiro para a gasolina.
Não resisti a curiosidade e quis saber qual era a mágica para bancar tal carro e Soninha, toda pura, me contou seu segredo de polichinelo.
Eduardo (O Edu da placa), tinha se apaixonado por ela, apesar dos 25 anos de diferença de idade. Soninha, com toda sinceridade dos seus 22 anos me disse:
-“João, imagine você que só com o segundo grau incompleto, morando numa casa com meus pais, na Curicica, perto do Rio Centro, trabalhando como bancária, se eu tenho condição de bancar esta vida, este carro, minhas saídas, minhas roupas e tudo mais?”
-“Resolvi ser prática e namoro um empresário que é apaixonado por mim e resolvi ser a “Alfa2”. Aqui explico: Na época existia uma novela na TV que o personagem principal tinha a esposa (Alfa1) e a outra (Alfa2). Soninha disse isto rindo e explicou:
-“O Edu não sabe que ele é o Beta 1, pois tenho também o Beta2 e Beta 3!”
-“Não vejo nada de errado, pois sei que tudo é passageiro, mas enquanto isto, faço o que quero fazer e até ajudo minha família”. E contou-me uma estória interessante acontecida no Dia dos Namorados. Do Beta 3 ganhou um CD ,que repassou para o Beta2. Do Beta 2 ganhou um “Liebfraumilk”, insuportável vinho alemão doce (garrafa azul), muito popular na época, que repassou a Beta 1(Eduardo). De Beta 1 ganhou um anel com um pequeno brilhante que não repassou a ninguém. Todos ficaram felizes.
Todos comeram Soninha, (especialmente Beta 3 que nada ganhou, pois Soninha explicou que estava dura) e assim ela ia administrando sua micro empresa – Soninha Ilimitada!
A capacidade criativa e a logística de Soninha eram impressionantes, assim como o interior de seu carro que tinha roupas de ginástica, sapatos, mochilas, maquiagem e vestidos estrategicamente deixados na mala. Assim ela vivia a vida, pura, simples e feliz, sem conseguir ver nada de errado ou mau no que fazia. Alfa1 finalmente comprou um pequeno apartamento em Vila Valqueire para Soninha e aí, pela primeira vez minha amiga baqueou. O fantasma da liberdade perdida começou a incomodar e o desejo de Eduardo ter um filho e mudar de mala e cuia para o apartamento de Soninha, começou a deixá-la triste e sem vontade de continuar a viver daquele jeito.
A gota dágua aconteceu no dia que Eduardo, numa das inúmeras viagens da sua esposa, a levou para conhecer seu apartamento no Leblon e Soninha constatou que o seu apartamento em Valqueire era uma xerox mal feita daquele da zona sul, apesar de ter os mesmos horríveis móveis da Lacca na tonalidade vinho. Estranhei sua ausência no banco, na cidade, no estacionamento e uma semana depois me ligou e disse:
-“Repensei tudo, sai do banco, acabei com os três, devolvi a porra do apartamento de Valqueire, voltei a estudar e estou trabalhando como auxiliar de escritório numa empresa de publicidade.
-“Não dava mais para viver daquele jeito, quero mais para mim, quero escolher o que faço, o que compro, o que desejo.”
Ainda nos encontramos mais algumas vezes durante aquele ano e soube que iria tentar vestibular no ano seguinte. Passaram-se treze anos e fiquei feliz pelo reencontro.
O filho de Soninha (que por acaso se chama Eduardo) é do surfista, que é dono de uma loja de roupas esportivas. Soninha sorriu e me disse na encolha:
-“Imagina se meu marido soubesse daquela Soninha!”
Para mim, Soninha foi e é “A Soninha Toda Pura”, pois a coragem da mudança e sua força, assim o demonstraram. Longa e próspera vida Soninha e um beijo deste teu amigo.

João Siqueira

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