24 de mai. de 2010

"GUDUNHA"

Há cerca de duas semanas, minha velha nova amiga Maria Carmem me enviou essa crônica sua que na ocasião foi publicada em jornal que agora não me recordo. Ela remete a um possível diálogo entre nós duas.
Devido a um “arranca-rabo” com a tecnologia da Informática não consegui postar o original, mas como é uma crônica antológica e genial fui obrigada pela ansiedade a digitar seu texto.
Infelizmente, algumas passagens do original foram perdidas com a digitalização, por isso em duas partes do texto aparece assim: (...).


A RECÍPROCA VERDADEIRA

São os malefícios da dependência.
É você precisar, recorrer a alguém e imediatamente começar um certo corpo mole, um ouvido de mercador, cobrança, e por aí vai.
Foi depois dessa triste constatação, muito desgostosa da minha vida, que resolvi abandonar meus escritos e sair para tomara um vinho do Porto, com minha amiga Maria do Rosario, e, por uma sugestão do nome desfiar um terço de lamúrias.
Parecia uma conversa de malucas, mas as palavras saíam direto do coração, enchendo a mesa de verdades.
_ Olha! Olha a quantidade de frases que anoto para Marion e Raquel dizerem e elas não se dignam a pronunciar, palavra. O que elas têm de entender é que são apenas personagens e disso jamais passarão.
_ Usa de autoridade.
_ Não adianta. Elas não falam. Vão desvirtuando a história e quando abro o olho, estou sem o fio da meada, só fazendo o que elas querem. Marion, tem a pachorra de se encarapitar ao meu lado, batendo pestana, falando pelos cotovelos, querendo discutir o indiscutível. Se pelo menos entendesse alguma coisa...
Aquilo é de uma ignorância constrangedora. Eu sei. Eu criei.
Rosario sorriu complacente, não querendo me contrariar, enquanto eu prosseguia na minha indignação.
_ No outro dia, meio insegura da história que queria contar, fui cuidadosamente encaminhando a narrativa por determinado rumo, quando ela me vem com sete pedras na mão, dizendo que eu estava “deixando barato, que não era nada daquilo, que ela jamais diria aqueles absurdos, e que eu me aprofundasse mais nos seus sentimentos, que iria descobrir coisas muito encantadoras a seu respeito.” Isso tudo me foi dito, lixando unha, escovando o cabelo, bochechando com Plax e enchendo a cara de Lancôme. Não conseguia me concentrar com essa perua fazendo tantas coisas ao mesmo tempo.
_ E a Rachel? Parece que vocês têm mais afinidades.
_ Temos nada. Aquilo é uma antipática. Sempre de mau-humor e descrente da vida. Difícil trabalhar com ela. No início era tão doce. (...) Agora, se eu bobear, minha mesa de trabalho vira um barraco. Hoje mesmo me saiu com essa: “Você tem medo de mim. Não me completa. Estou me sentindo uma estátua inacabada. É horrível ser uma pessoa pela metade!”
_ Nossa, que difícil convivência!
_ Para você ver o que estou passando. São personagens soltas, sem as amarras de uma obra de princípio, meio e fim, e como tudo na vida precisa de um limite... Estive pensando em dar-lhes o ensino da criação e trancar as duas num romance, desses bem cabeludos, tipo “O colecionador”, só para ver quem escapa no final.
_ É bem capaz delas começarem teu original. Não se arrisque.
_ Rachel fala coisas que eu não entendo. Vem com umas frases que fico horas pesquisando, o que será que ela quis dizer com isso? E ela é dissimulada, fica debochando da minha santa paciência e ignorância. No outro dia me mandou estudar.
_ E você?
_ Fui.
_ Ah!
_ Houve um fato estarrecedor que me assustou muito. Marion, numa dessas nossas eternas discussões, resolveu ter uma crise de ciúmes, dizendo que eu escrevia mais para Rachel do que para ela. Que além disso eu tinha muito mais condescendência e iluminava a personagem da outra com uma luz que não tinha dado a ela. Enfim, surtou. Dei-lhe uma espinafração, me defendi como pude, mas ela estava inabalável. Disse que tinha contato e comparado o número de frases e Raquel ganhava longe. Nessa hora, pulei. “Espera aí”, gritei, “Isso é uma inverdade, porque você não sabe contar. Eu te obturei em matemática.” Ela riu, saiu se rebolando toda, dizendo que eu estava redondamente enganada. “Lembra daquele personagem, Climério Albatroz, professor de matemática?” Disse ela com aquela voz de quem está armando. “Pois é...” Fiquei pasma, achei aquilo uma traição. Eles se encontram escondidos e tramam contra mim.
_ Que cilada!
_ Por isso, querida Rosario, de agora em diante, vou me dedicar à natureza morta, sabe? Uma banana, ali, um abacaxi, aqui, uma maçã acolá... Essas mulheres são muito difíceis, remosas, samurais...
Por que você não casa essas mulheres?
_ E homem agüenta uns estrupícios desses? Elas interferem na minha relação! Se um homem se aproxima de mim, Marion, grita: “Gudunha!” Olha, que termo chulo, gudunha! Raquel, adverte: “Você vai se atrapalhar!” (...)
_ É... Você criou dois monstros.
_ Também não é assim. São doidas, mas são minhas, e personagem é feito filho, só quem fala mal é a gente.
_ É... você tem toda razão, mas o que você não sabe é o que elas andam espalhando a seu respeito...

Maria Carmem Barbosa

2 comentários:

  1. Maria Carmem, sempre brilhante....que facilidade com os dialogos...eles fluem como se fossem a coisa mais simples do mundo.

    Muito bom!

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  2. A Ma Carmem desafia qualquer regra que possamos ter sobre "normalidade"ela aí está para desafiar limite.É brilhante comediante,dramaturga e tudo mais que possamos inventar em matéria de "show business"Incomparável.Rosario

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