O e-mail é lacônico como sempre, mas releio: Isa: chego última ponte aérea. Amor. Julio. Coloco-o na cabeceira da cama de forma que, mesmo deitada, ainda possa buscá-lo pelo canto do olho.
Sei da proximidade do perigo, do mergulho no vácuo e minha sensação de abandono sempre que Julio está por perto. Mas anseio por isso. Daqui a pouco, vou revê-lo, e esta casa, agora tão quieta e arrumada, ficará de pernas pro ar. Daqui a pouco, também serei o avesso do que sempre fui. Levantando, posso me olhar pelo espelho estrategicamente colocado na diagonal da cama. Não sou mais criança, mas a imagem que agora vejo me reanima. Talvez seja o chambre de seda, levemente transparente... Sou capaz de tudo nesses momentos em que ele irrompe em minha vida, sempre chegando de algum lugar que desconheço. São momentos que me fazem querer viver mais uma vida para dedicá-la a eles. Lembro-me com vergonha daquela vez em que ele me obrigou a engatinhar, suplicando por seu corpo jovem. Mas depois, me saciou –o gesto certo, os dedos ágeis, acariciando-me por inteira, calmamente, docemente, até que eu, não mais agüentando, cheguei ao orgasmo sem que ele me tivesse possuído. Isso uma, muitas vezes. Precisei suplicar por seu sexo, chorar, implorar por ele. Minha vida, antes tão vazia, tão carente, transformou-se no dia em que o encontrei. Haroldo e eu não nos bastávamos.
Julio é quase um bebê, um querubim, com seus cabelos encaracolados, o sexo intumescido sempre à minha espera. Sou obscena, ele é obsceno; somos absurdamente obscenos, juntos. Paradoxalmente, isso me comove. Não mereço tanto frescor, tanta juventude. Por sua causa adotei estranhos hábitos: uma maquilagem pesada que me faz parecer ainda mais velha, e sapatos de saltos enormes. Na verdade, são fetiches que o excitam, e sou capaz de tudo para isso.
Há horas estou em pé diante do espelho, totalmente absorta, devaneando; corpo aqui, coração onde? Flashes explodem: um retrato de menina com seu olhar aberto para o mundo, emoldurado por grossas tranças; um grupo escolar adolescente, o primeiro amor, o casamento. Imagens que me levam para muito, muito longe. Do espelho, meu lindo querubim me sorri.
Foi assim, inesperadamente –é sempre assim que acontece- numa tarde qualquer, que Julio finalmente me viu. O dia virou noite, noite de São João, de réveillon. Fogos explodiram no céu e dentro de mim. Havia estrelas e uma lua cheia. Depois o sol raiou, imenso, avermelhado. Envelhecer tem seu preço, e pretendo pagá-lo centavo por centavo, sem o menor constrangimento. Basta que Julio faça a sua parte e me dê o que desejo. Continuará me tratando por princesa ou minha rainha? Está na hora de tomar um Saint Raphael, distensionar, pôr uma cinta-liga, meias pretas e aqueles saltos.
A campainha estridente anuncia a chegada de Julio. Pelo olho mágico ele aparece abraçado a uma loura de pinta brabíssima. Fico puta por Julio ser tão canalha. Ménage a trois? É assim que ele quer? Assim será!
...se o desejo do Julio contamina o seu, por que não explodir em prazer? Um conto malicioso revelando fantasias ocultas, desejos ardentes! Muito vivo tudo isso! Gostei! O surpreendente Julio deve saber do seu medo e portanto do seu desejo de abandono e o enorme prazer do risco que ele representa proximo a vc! Mas está otimo, os prazeres são irracionais mesmo!Bjs
ResponderExcluirFernando Scarpa