18 de mai. de 2010

CANTO DOS AMIGOS, COM CARINHO

O JOGO DE PÔQUER

Fátima e Geraldo estão casados fazem vinte anos. Ela o acusa de indiferente. Ele só tem olhos para ela. Mas, sejamos francos, ele não sabe como a agradar. Prefere ficar em casa nos fins de semana, curtindo sua Billie Holiday.
Aquele sábado, afinal, promete ser divertido para o casal, já que Dario e Jorge, além de agradáveis boêmios, são exímios jogadores de carteado. Dario parece um galã de cinema dos anos trinta. Moreno, bronzeado, esguio, meio displicente no vestir-se, tem lá o seu charme. Não tanto quanto ele supõe, todavia. Jorge é um tipo meio atarracado, mas muito rápido de raciocínio, não perde uma oportunidade de fazer graça. Ambos são colegas de trabalho de Fátima. Geraldo os adora. Fazem-no rir, ao menos, o que não é pouco, tendo em vista sua natural sisudez.
Pano de feltro verde cobrindo a mesa de jantar, os cigarros e copos compõem um inebriante ambiente de cassino à meia-luz. O uísque rola a vontade. Ao fundo, a quietude da Lagoa e do Cristo em suas águas refletida forma um conjunto dissonante com o som daquelas fichas de madreperola envelhecidas, sendo jogadas sobre a mesa.
Os quatro já vão meio alegres. Alfredo, o filho adolescente do casal, só pensa em acumular aquelas lindas fichas e vai formando um desproporcional bolo à sua frente. A certa altura, algumas delas caem ao chão e não há tempo para Fátima e Dario interromperem as carícias mútuas que são trocadas sob a mesa.
Ao voltar a sentar-se percebe o constrangimento de ambos na palidez de seus rostos. Se Geraldo e Jorge claramente nada notam, a reação de Alfredo, entretanto, é a de um perfeito estrategista das jogatinas. Aquilo não era com ele, jogo seguindo e ele ganhando.
Pela hora do jantar termina o carteado e os quatro discutem onde irão prolongar a noite em festa. Opiniões são trocadas, confabulam e acabam saindo para uma noitada que certamente será agradável.
Alfredo ia encontrar-se com amigos, mas desiste. Muito mobilizado e, agora sozinho com seus pensamentos, afinal pode realizar o que vira. As coisas estavam caminhando mal, sem dúvida. O rapaz dirige-se ao bar, um prolongamento da bela estante encravada na parede. Pára diante dela e trata de se decidir. Opta, não sem certo requinte, pela bebida que pode lhe entorpecer de forma mais veloz. Sorve, no gargalo, de uma só vez, mais de meia garrafa de vodka.
Fica parado de pé por uns instantes. Nada sente. Termina então a garrafa e decide ir para o quarto. Seus passos sem prumo, porém, impedem-no de caminhar direito. Um certo estupor o invade, seus olhos hesitam. “Talvez seja melhor assim, sem ver”- ainda pensa.
Na madrugada, ao regressarem, Fátima e Geraldo encontram o filho, camisa e cinto abertos, deitado num tapete próximo ao sofá e coberto de vômito. Notam uma garrafa derrubada a seu lado e percebem que o filho está em coma.
Victor Nuno

4 comentários:

  1. Muito bacana bizarro!!!

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  2. gostei,victor.
    bom conto, contido, bem caracterizado.
    parabens.

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  3. Legal, sofrido, sem pieguice!
    O blog foi muito feliz na ideia deste canto para os amigos.
    Bacana a ideia, tenho lido coisas bem legais.

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  4. ROSARIO NASCIMENTO E SILVA19 de maio de 2010 às 19:49

    Na 1a vez que o Victor escreveu aqui eu preconizei que nascia um escritor.Pouco a pouco,ele só faz confirmar isso ROSARIO

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