Lembram do conto
Sunday, bloody, Sunday que eu postei há umas 2 semanas?! Então, o
Canto dos Amigos hoje traz uma daquelas gostosas coincidências inexplicáveis da vida, especificamente na passagem “Conheço uma pessoa que teve decretada morte clínica, quando conseguiram reanimá-la, ela ficou puta da vida, pois nunca se sentira tão bem como quando do outro lado” eu misturo às vivências da personagem, às minhas. E está aí o depoimento da própria, na vida real...
A MORTE ME CAIU BEM
Eu morri. E voltei aqui pra contar: morrer é uma delícia, foi a melhor experiência que já tive nesta vida. Não me lembro do dia em que nasci, nem de como era antes, lá no útero da minha mãe. Acho que, pra mim, não deve ter sido nada fácil nascer. Nasci arrancada a fórceps. Se não estou enganada, acho que ouvi minha mãe contar que vim enrolada no cordão umbilical. Morrer é sonhar. Melhor é o sonho, melhor é a morte. Engraçado que, para quem morre, a palavra morte não combina. Morte é liberdade, é voar por aí, sem dor, sem preocupação, sem excesso nem falta. Longe de ser vazio, é a leveza do pensamento. Nada de conta pra pagar, nem de horário pra acordar. Sem pressa, sem estresse. Vão-se embora as celulites, as rugas, os chatos, as culpas, os julgamentos. Como foi bom morrer, nem sentimentos eu tinha. Nem raiva, nem frustração, nem pressão. Só paz e amor. Na morte, não tinha esse desfibrilador no meu peito, o desgaste na C4 e C5. Nenhuma dor na cervical, nenhuma tensão. Nada de melasmas alastrando-se pelo meu rosto, simplesmente não tenho rosto. Não tenho corpo. To lá em cima, flutuando, viajando sem enfrentar aeroportos ou assentos de avião. Tenho tudo, não devo nada. Não preciso de mais nada, estou em paz. Aquilo sim é a paz. Sou criadora e criatura. Sou pintora, sou atriz. Sou a música, sou a água, sou o gozo, sou meu próprio sonho e não sou nada. A plenitude de não ser nada. Ali, naquele estado, nada importa. Simplesmente sou: nada e ao mesmo tempo todo o universo. E, de repente, sou arrancada de meu sonho.
- Você está bem, você está no hospital. Que sorte a sua!, ouço.
- Mentira, me deixem em paz, eu morri. Eu MORRI!
- Não, você não morreu. Sorria, você está sã e salva, no CTI.
Não pode ser. Acabaram com meu sonho e ainda dizem que dei sorte. Estava saindo de fininho, feliz da vida, trocando essa carcaça antes da perda total, e cá estou de volta, droga! Entubada, perfurada, fibrilada, cateterizada. Nossa, que sorte! E a conta desses “procedimentos” subindo mais do que o preço do barril de petróleo. Sortuda!
-Mentira! Eu morri, sim. Deixem-me sonhar em paz.
Ticiana Azevedo é jornalista e escritora, co-autora com Consuelo Dieguez do livro "Cuidado! Seu principe pode ser uma Cinderela - guia prático para identificar um gay no armário" (BestSeller - 2010)
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